A Regra do 3.
- TC3 Brasil
- 24 de out. de 2019
- 6 min de leitura
Atualizado: 6 de ago. de 2020
*Tradução por Marlon Coutinho Moreno
Acredito que uma parcela expressiva de nós já tenhamos assistido algum programa do gênero “A prova de tudo”, “O sobrevivente” ou “desafio em dose dupla”, onde o apresentador precisa desesperadamente cumprir uma série de tarefas bem definidas, estando sua vida em perigo, caso não cumpra com as mesmas.
Pois bem, com o tempo, descobrimos que ninguém estava realmente com sua vida em risco, havendo uma estrutura logística enorme apoiando os participantes. Sem dúvidas que algumas destas situações poderiam acabar de outra forma, se os equipamentos e pessoas escolhidos não fossem os ideais – e isso é muito importante.
Contudo, nos ainda podemos retirar alguns aprendizados valorosos para situações do nosso cotidiano. Hoje, gostaria de apresentar a “Regra do 3” (três) a vocês. Antes, contudo, gostaria de começar com uma pergunta:
O que é mais difícil de suportar em termos de temperaturas? Temperaturas altas, como as encontradas na península arábica, ou temperaturas baixas, como as encontradas na Sibéria? Decidi começar com essa pergunta, pois é algo que as pessoas realmente negligenciam constantemente.
Ao que tudo indica, nosso corpo não lida muito bem com temperaturas baixas. A nossa própria história evolutiva (descendentes dos primeiros habitantes das planícies africanas) parece indicar isso. No calor do verão, por exemplo, é possível se manter razoavelmente ativo, bastando para isso manter-se hidratado. Ainda é um cenário seguro. Vamos falar um pouco mais sobre isso em breve. O que é notório perceber, no entanto, é nossa incapacidade de lidarmos razoavelmente bem com temperaturas próximas ou abaixo de 0°C. Nós evoluímos para liberar calor, sendo o suor um ótimo exemplo deste processo de dissipação do calor pelo corpo (perdemos calor por convecção). Nós não temos a gordura corporal, a quantidade de pelos ou até mesmo os pequenos capilares para levar sangue (e consequentemente calor!) para as extremidades, em quantidade suficiente. Algumas exceções, como os Inuítes, conseguiram desenvolver esses capilares extras, tão necessários em climas extremos, pois fazem o sangue circular pelas extremidades. Nós – ocidentais com origens africanas ou europeias – realmente não estamos adaptados ao frio.
Para se ter uma ideia da seriedade da abordagem do frio, os “Royal Marines” (Fuzileiros Navais do Reino Unido) cessam os treinamentos quando a temperatura cai para menos de -30°C, pois o risco de lesão aumenta exponencialmente (não tenho informações precisas quanto a situação das forças especiais).

Temperaturas muito altas também precisam ser tratadas com seriedade. Apesar de suportarmos melhor temperaturas altas, alguns cuidados preciosos precisam ser tomados. A desidratação é um risco sempre presente, necessitando de consumo de água constante, para nos mantermos operando. A quantidade de água ingerida deve ser proporcional a temperatura e exigência física da atividade a ser realizada. Cuidado com a seleção do vestuário. Roupas com tecido muito espesso podem dificultar a perda de calor por convecção, pois acabam por absorver o suor, deixando as roupas encharcadas e pesadas. Roupas pretas também devem ser evitadas, pois absorvem mais calor, dificultando a regulação de temperatura pelo corpo. Atualmente, temos tecidos tecnológicos que possibilitam a termorregulação, protegendo a pele dos raios solares e facilitando a evaporação do suor.
Ambiente hostil (como por exemplo, o encontrado na Sibéria ou no deserto do Saara) planejamento errado, equipamento errado (kit) e veículos errados, sem o suporte local adequado. Formula infalível para o desastre, aonde morrer se torna real e pode ser muito rápido.
Quando pensamos em uma aventura, operação, expedição; precisamos ter conhecimento de alguma ferramenta que nos ajude a organização da mesma. Alguma ferramenta que possa passar pelos processos logísticos/organizacionais, nos permitindo segurança para desempenharmos o que foi proposto.
As três prioridades para qualquer planejador serão:
1) Abrigo 2) Água 3) Comida.
Após muita observação e prática, também adicionamos “acidentes”, incluindo-o no topo da lista. Assim, desenvolvemos uma estrutura que prioriza a prevenção de acidentes, podendo ser utilizada em qualquer ambiente desejado, estando sua estrutura final com o seguinte formato:
1) Acidentes
2) Abrigo
3) Água
4) Comida
Com essas informações, podemos finalmente desenvolvermos a proposta da “Regra do 3 (três)”, aonde temos:
3 Minutos
3 Horas
3 Dias
3 Semanas
Agora, vamos dissecar, um por um, os elementos do 3 (três).
(3 minutos) se você sofre um acidente com uma arma de fogo, ou uma lâmina afiada, obtendo uma hemorragia massiva; sua expectativa de sobrevivência se limita a 3 minutos, o que se traduz na média para esse tipo de acidente (podendo ser maior ou menor, dependendo de diversos fatores). O mesmo podendo ser utilizado para atividades que envolvam meios líquidos, aonde permanecer submerso por mais de três minutos pode levar a uma parada respiratória e, consequentemente a uma parada cardíaca.
(3 horas) se você se encontra em um ambiente hostil – normalmente falamos sobre o frio extremo, mas não precisa ser tão frio assim – como os -5,4°C feitos em 29/05/2019 em Itatiaia/RJ, reduzimos nossa capacidade de sobrevivência em média para 3 horas, sem as roupas e abrigo adequado. No entanto, temperaturas muito altas também tem seus efeitos, como será descrito abaixo.
(3 dias) uma pessoa consegue sobreviver, em média, três dias sem água. Obviamente que isso pode variar bastante de acordo com as condições climáticas, tendo uma condição de calor extremo, aonde seja necessário fazer muito esforço físico, acabando por reduzir essa média dramaticamente. Em uma situação mais amena, podemos aumentar essa média para, talvez, 4/5 dias. No entanto, a degradação fisiológica será substancial, chegando em um determinado momento aonde desempenhar tarefas simples pode-se tornar impraticável. Muito importante ficar atento a rabdomiólise (degradação do tecido muscular que libera uma proteína prejudicial no sangue, o que pode ocasionar insuficiência renal e pode ser fatal), podendo ser evitada com hidratação e repouso.
(3 semanas) uma pessoa consegue sobreviver, em média, três semanas sem comida. Mais uma vez, tudo depende das condições climáticas e o nível de esforço que se pretende realizar, podendo ser esse tempo aumentado ou diminuído.
Com isso definido, podemos planejar nossas atividades com mais responsabilidade e, consequentemente, mais segurança.
Isso posto, algumas considerações precisam ser feitas:
Você está apto no Suporte Básico de Vida? Conhece o protocolo MARCH, de origem militar, e suas vantagens quando comparado ao ABCDE da vida, de origem civil? Sabe lidar com uma situação com sangramento massivo? O planejamento adequado consegue mitigar situações aonde isso possa ocorrer. Entretanto, acidentes podem acontecer. E se acontecerem, você está apto a resolver as situações que se apresentarem? Em caso negativo, sua expectativa de vida cai para 3 minutos!
E suas roupas e abrigo? Estão de acordo com o ambiente e condições climáticas que experimentarão? Frio ou calor extremo? As suas roupas são a primeira linha de defesa contra os elementos, e justamente por isso são importantíssimas! Consultou os boletins meteorológicos da área? Tem material para fazer um abrigo emergencial, caso a necessidade apareça (como um saco de dormir de emergência e uma barraca de emergência, ambos com material aluminizado) em caso negativo, temos aproximadamente 3 horas de expectativa de vida!
Está levando água em quantidade suficiente para o nível de desgaste físico e condições climáticas apresentadas? Está levando os meios necessários para filtrar e armazenar água, se for preciso? Água e um bem precioso e precisa ser consumido em grandes quantidades se a demanda física assim o exigir e a temperatura e humidade estiverem muito alta. Quando acaba a água, sua expectativa de vida diminui para 3 dias, podendo varia para mais ou menos de acordo com as condições presentes.
E quanto a sua alimentação? Está levando mantimentos necessários para todos os dias da sua operação/expedição? A alimentação está diretamente ligada a demanda energética envolvida. Quanto maior a demanda, mais calorias consumo e consequentemente preciso repor, criando a necessidade por mais alimentos. Já buscou informações quanto aos frutos que podem ser consumidos com segurança na sua área de atuação? Está levando meios para obter comida, como iscas para peixes e/ou uma boa lâmina para preparar uma armadilha? Três semanas parecem uma eternidade, mas quando você se encontra desorientado e em um ambiente hostil, sua expectativa de vida pode ser bem menor do que isso.
Agora, cabe a você realizar o exercício de imaginação adequado, sempre tendo em mente o efeito cascata que uma decisão errada pode acarretar para sua sobrevivência! Encerro o texto lhe desejando sucesso na sua próxima missão!
* Mac Mackenney é um dos “sobrevivencialistas” mais experientes no ramo, com experiencia no British Army, tendo atuado como mecânico de aeronaves e realizado os cursos de sobrevivência na selva e combate no ártico desta instituição. Fez parte do corpo de desdobramento rápido desta arma. Mais sobre ele pode ser encontrado em – http://www.maxadventure.co.uk –
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